quarta-feira, 20 de julho de 2011

A "não-cidadania" na Idade Média Feudal

       Na Idade Média Ocidental (476 d.C. - 1453), a sociedade Feudal dividia-se em três diferentes grupos, genericamente repartidos entre clero, nobreza e servo. A organização social era compreendida como uma ordem divina que deveria ser passivamente seguida por todos os cristãos. Ir contra as desigualdades e a exploração dessa época significava afrontar uma harmonia proveniente dos céus. O clero possuía grande importância no mundo feudal, ocupando o topo da hierarquia social, cumprindo um papel específico em termos de religião, de formação social, moral e ideológica. Após sua fundação, em 325, no Concílio de Nicéia, a Igreja Católica iniciou a estruturação de um conjunto de normas que permitiu a disseminação do cristianismo por todo o mundo europeu. 

                                                             Nobreza e Alto Clero

Originariamente o clero não é uma classe social, entretanto, ao permitir que apenas os membros da nobreza feudal poderiam fazer parte do Alto Clero, essa condição, antes titular e religiosamente simbólica, passou a ser entendida como uma ordem social. Os grupos políticos dominantes do antigo Império Romano assumiram, não apenas, a chefia e organização religiosa da Igreja, mas os clérigos passaram a ter prestígio e influência entre os grandes proprietários e reis desse período.
             Os membros do Clero passaram a exercer enorme poder político sobre uma sociedade fundamentalmente religiosa, onde o conceito de separação entre a religião e a política era desconhecido. Mantinham a ordem da sociedade evitando, por meio de persuasão e criação de justificativas religiosas, revoltas e contratações camponesas. Os grandes proprietários eram integrantes da alta nobreza, reconhecida pelos títulos de rei, príncipe, arquiduque, duque, marquês e conde.  A maioria da população feudal era composta por camponeses. Eles eram responsáveis pelo trabalho nas terras e pela produção agrícola. Na maioria dos casos, os camponeses trabalhavam em regime de servidão e se submetiam às exigências do senhor feudal. Jurados a uma dura rotina de serviços, muitos camponeses esperavam que a penúria no mundo terreno fosse recompensada pela salvação de suas almas. Eram presos à terra e sofriam intensa exploração, sendo obrigados a prestarem serviços à nobreza e a pagar-lhes diversos tributos em troca da permissão de uso da terra e de proteção militar. Embora geralmente se considere que a vida dos camponeses fosse miserável, a palavra "escravo" seria imprópria, pois não eram propriedade do senhor, mas um colono que lhe jurou respeito e fidelidade em troca de proteção política, econômica e religiosa.

 Os principais tributos, impostos e obrigações dos servos consistiam em:
       - Banalidade: tributo cobrado pelo uso de instrumentos ou bens do feudo, como o moinho, o torno, o celeiro, as pontes;
         - Corvéia: trabalho compulsório nas terras do senhor em alguns dias da semana;
         - Talha: Parte da produção do servo que deveria ser entregue ao nobre;
    - Tostão de Pedro ou Dízimo: 10% da produção servil era pago à Igreja, utilizado para a manutenção da capela local;
        - Capitação: imposto pago por cada membro da família (por cabeça);
                
          
         No mundo feudal não existiu uma estrutura de poder centralizada. Não existiu a noção de Estado ou mesmo de nação. Portanto consideramos o poder como localizado, ou seja, particular em cada feudo. Apesar da autonomia na administração da justiça em unidade feudal, existiam dois elementos limitadores do poder senhorial. O primeiro é a própria ordem vassálica, onde o vassalo deve fidelidade a seu suserano, porém era o único senhor de seu feudo. Essa relação de suserania e vassalagem tem sua origem no antigo Reino Franco, principalmente durante o reinado de Carlos Magno e baseava-se na concessão do feudo (beneficium). O segundo elemento limitador do poder senhorial era a influência da Igreja Católica, única instituição centralizada, que ditava as normas de comportamento social na época, fazendo com que as leis obedecessem aos costumes e à “vontade de Deus". Dessa forma a vida quase não possuía variação de um feudo para outro. É importante visualizar a figura do rei durante o feudalismo, como suserano-mor, no entanto sem poder efetivo, pois, devido a própria relação de suserania e a tendência a auto-suficiência econômica, o rei só seria senhor de seu próprio feudo.
         Comparada aos dias de hoje, a sociedade feudal é reconhecida por uma mobilidade social bastante restrita. Em outras palavras, isso quer dizer que o indivíduo pertencente a uma determinada ordem acabaria se mantendo nela até o fim de sua vida. Uma vez nobre, sempre nobre, uma vez servo, sempre servo. Apenas, entre os membros da nobreza, poderia ser possível uma mobilidade de títulos, mas a relação de vassalagem permaneceria, se fosse o caso.
   

Estados Teocráticos

          Como o próprio nome indica, Téo refere-se ao que provém ou está relacionado a Deus. Estados Teocráticos são aqueles em que a estrutura de poder, as ações política, jurídica e policial são submetidas às normas de uma religião oficial. Esse poder pode ser exercido direta ou indiretamente pelos clérigos: os governantes, juízes e demais autoridades podem ser os próprios líderes religiosos ou podem ser cidadãos leigos submetidos ao controle desses clérigos. Os poderes político e religioso andam lado a lado e quem detêm o controle do Estado regula também os preceitos morais, espirituais, educacionais e culturais. Nada é feito de forma autônoma. Toda e qualquer atitude tomada pelo Estado ou pela sociedade está vinculada a uma única lógica religiosa, que serve como fundamento universal. Nas teocracias o exercício da autoridade política é, ao mesmo tempo, um ritual religioso, que, em tese, afasta qualquer contestação social.

             Nos governos não-democráticos, a pessoa investida de poder dele se apossa por toda sua vida como se fosse seu proprietário. Nos Estados teocráticos, o poder considerado legítimo vem da vontade dos Deuses. O poder personalizado não é legitimado pelo consentimento da maioria, trata-se da usurpação do poder, que perde seu lugar público quando é incorporado na figura de um imperador, rei, faraó. Como não se funda na expressão da maioria, ele precisa estar sempre vigiando e controlando o surgimento de divergências que poderão abalá-lo. Busca então a uniformização das crenças, dos costumes, das opiniões, evitando o pensamento divergente e destruindo a oposição.

           No Antigo Egito (3200 a. C. – 525 a. C.) a organização político-social estruturou-se em torno da terra e dos canais de irrigação. Diante do aumento populacional na época neolítica, foi necessário a construção de obras hidráulicas como diques e canais às margens do Rio Nilo, para o cultivo agrícola. Para controlar esses trabalhos e a divisão da produção, o controle de toda estrutura econômica, social e administrativa ficava com o Estado despótico, que, por meio de suas instituições burocráticas, militares, culturais e religiosas, subordinava toda população e garantia a realização dessas obras de irrigação.
                  O Faraó concentrava todos os poderes em suas mãos e era considerado um deus vivo. Boa parte das terras passou a ser controlada por ele, a quem a população deveria pagar tributos e servir, por meio de trabalho compulsório. A organização da sociedade egípcia era bastante rígida. Abaixo do Faraó estavam os Sacerdotes (respeitados pelo conhecimento e por serem vistos como mediadores da relação dos homens com os deuses), os Grandes Burocratas (funcionários públicos, cujas funções muitas vezes se confundiam) e Chefes Militares. Em seguida vinha a Baixa Burocracia, formada pelos escribas, conhecedores da complexa escrita hieroglífica e responsáveis pelos registros administrativos. 
               Finalmente, havia a base da sociedade egípcia, que era formada pela grande massa de Camponeses, a imensa maioria da população, submetidos aos trabalhos compulsórios e pela obediência a Estado. Eventualmente poderiam ser encontrados Escravos, camada social mais explorada, eram, geralmente, estrangeiros prisioneiros de guerras.

Cidadania, Liberdade e Direitos

           Segundo o Determinismo Científico, tudo que existe tem uma causa, ou seja, tudo aquilo que tem que ser, não pode deixar de ser. De acordo com as leis da sociologia, toda vida humana social se explicaria por três fatores: raça (força biológica), o meio (fatores geográficos e sócio-culturais) e o momento (o indivíduo é fruto da época em que vive). Pelo determinismo o ato humano não é livre, já que é causado por esses fatores e deles não pode escapar. Contrapondo-se ao determinismo, há teorias que enfatizam a possibilidade da liberdade humana absoluta, do livre-arbítrio, segundo o qual o homem tem o poder de escolher um ato ou não. Ser livre é decidir e agir como se quer, sem qualquer determinação causal.
             Diante das duas correntes e, após analisar os primeiros movimentos da vida humana (o Processo Histórico do Trabalho, da Técnica, da Cultura), pode-se concluir que o homem é Determinado e é Livre, ao mesmo tempo. É preciso considerar os dois pólos contraditórios: segundo a concepção dialética, embora os dois pólos determinismo-liberdade se oponham, na verdade estão ligados, ou seja, o homem é determinado, pois se encontra situado em um tempo e espaço e é herdeiro de uma certa cultura; mas o homem é também um ser consciente, o que lhe permitirá uma ação transformadora do meio em que vive.
             É preciso perceber que a liberdade não é uma dádiva, mas é o resultado de uma árdua tarefa, algo que o homem deve conquistar. A liberdade não é ausência de obstáculos, mas o desenvolvimento da capacidade de dominá-los e superá-los. A concepção de liberdade não deve ter como ponto de partida a liberdade individual, mas sim o interesse coletivo, porque é a partir dele que o comportamento individual se regula.
          Ser cidadão é respeitar e participar das decisões da sociedade para melhorar suas vidas e de outras pessoas. Cidadania são todas as ações de um cidadão: seus direitos, deveres, atos sociais e humanos. A cidadania consiste desde a atitude de não estacionar o carro em vagas para idosos, socorrer um enfermo, votar, ir ao trabalho, até lidar com as ações mais complexas do Direito como o pagamento dos impostos, o Código de Defesa do Consumidor, assédio sexual, agressão física (ambos presentes no Código Penal).  A cidadania deve ser ensinada nas escolas, transmitida nos meios de comunicação, a fim de gerar um bem-estar para população.
          A história da cidadania confunde-se em muito com a história das lutas pelos direitos humanos. A cidadania esteve e está em permanente construção; é um referencial de conquista da humanidade, através daqueles que sempre lutam por mais direitos, maior liberdade, melhores garantias individuais e coletivas, e não se conformam frente às dominações arrogantes, seja do próprio Estado ou de outras instituições ou pessoas que não desistem de privilégios, de opressão e de injustiças contra uma maioria desassistida e que não se consegue fazer ouvir, exatamente por que se lhe nega a cidadania plena cuja conquista, ainda que tardia, não será obstada. Ser cidadão é ter consciência de que é sujeito de direitos. Direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, enfim, direitos civis, políticos e sociais. Mas este é um dos lados da moeda. Cidadania pressupõe também deveres. O cidadão tem de ser cônscio das suas responsabilidades enquanto parte integrante de um grande e complexo organismo que é a coletividade, a nação, o Estado, para cujo bom funcionamento todos têm de dar sua parcela de contribuição. Somente assim se chega ao objetivo final, coletivo: a justiça em seu sentido mais amplo, ou seja, o bem comum.